Puxei esse tópico porque esse foi um tema que muito me afligiu quando entrei no meio. Sou militante feminista e acadêmica de gênero (mesmo que afastada no momento) e admitir (para mim e para os outros) minha necessidade de ser dominada por um homem foi extremamente difícil.
Sobre mim, me perguntava, como posso vendo toda a luta que foi a emancipação feminina desejar que um homem mande em mim? Com relação os outros, indagava não seria hipocrisia minha levantar bandeira de direitos iguais e na minha vida pessoal anulá-los?
Antes de expor mais sobre o tema em questão e minhas duas perguntas acho importante esclarecer alguns conceitos sobre a questão de gênero.
Gênero é uma construção social de personalidade e funcionalidade construído a partir de um dado biológico de base. Quando questionamos o machismo reinante em nossa sociedade, acima de tudo questionamos a falta de oportunidade ofertada para que seres humanos como um todo possa desenvolver suas potencialidades quando contrastadas com a expectativa de gênero. Aqui entendemos essas potencialidades como muito mais do que apenas as habilidades profissionais para a esfera publica (exemplo: homem bailarino e mulher mecânica), mas também sua própria personalidade (mulher ser delicada, frágil, trabalhar em rede, enquanto homem ser racional, trabalhar na vertical, ser duro). Compreendemos que tais habilidades e características pessoais são também uma construção social, ou seja, são desenvolvidas pela maneira como somos criados. Assim a forma diferenciada por gênero para a criação consiste em ultima instância na primeira barreira de gênero para oportunidades.
O segundo conceito, é que no caso da nossa sociedade o papel relegado ao gênero feminino, ainda é considerado inferior (trabalho na esfera privada sem valor econômico), o que gera uma segunda opressão, essa direcionada diretamente a mulher. Dentre varias bandeiras levantadas pelo movimento feminista que decorre dessa realidade supracitada, uma luta que aqui me interessa lembrar é a da emancipação sexual. Uma das formas de controlar a mulher é controlando seu corpo, o que foi necessário para fins de garantia hereditária. Mas mesmo pensando na sociedade atual isso ainda é muito presente (exemplo: ser vergonhoso para mulheres admitir masturbação). A falta de conhecimento sobre nosso corpo e nossa sexualidade é um dos grilhões a serem quebrados.
Voltando para o BDSM, sobre a segunda pergunta eu me fiz, a conclusão que cheguei é a de que: no momento em que uma mulher se submete por escolha e determina os limites dessa submissão, de alguma forma ela mantém seu poder na relação, e o principal, não lhe é retirado qualquer forma de escolha ou oportunidade. Inclusive, dentro dessa ótica, a menos que seja com o consentimento da mulher, o machismo não se cria, pois tudo tem um limite imposto pela submissa.
Tais conclusões acima exposta me mostraram que o BDSM é uma maneira consensual de se relacionar, onde se dividem direitos e obrigações de acordo com aquilo que satisfaz a ambos (um submisso se satisfaz em servir), sendo na verdade em termos de gênero extremamente avançada, afinal o submisso pode ser homem também. No BDSM não é uma questão de gênero a submissão, mas sim de desejo e necessidade do ser que se submete.
Por fim, percebo que conhecer sua sexualidade e libertar seu corpo para ela, é aceitar que essa sexualidade descoberta pode ser no BDSM e nesse caso, ao me submeter alcanço minha emancipação sexual.
Dito isso afirmo hoje com toda convicção que BDSM em si não reforça ou defende o machismo e que como modelo de relação é extremamente avançado. Se hoje vemos machismo no meio é porque as pessoas (homens e mulheres, porque se as mulheres não respaldassem não se criavam) que fazem parte mantêm esse pensamento arcaico. O que pelo menos para mim respondeu minha segunda pergunta.
Quanto à primeira pergunta feita, o que posso dizer, é que não tenho a resposta. Talvez seja um machismo interno que existe em mim, que mesmo minha racionalidade não conseguiu expulsar e que me impulsiona a desejar isso. Ou pode ser apenas estimulo físico. Não tenho como responder, mas uma coisa que aprendi nesse mundo sem sentido é que manter convicções é às vezes cair em contradições. Não podemos evitá-las, apenas aceita-las e minimizá-las.
Assim me aceito enquanto submissa. Não questiono a origem de tal desejo, mas sei que com ele existente, minha única forma de manter a coerência e ser feliz é abraçando esta escolha de vida na qual me realizo afetivamente e sexualmente.